quinta-feira, 27 de março de 2008

hoje é dia do grafite



Desde 2004 que a data é comemorada na cidade. Esse ano, a prefeitura simplesmente aboliu o dia do grafite da sua agenda de eventos. Com isso, desobrigou-se de promover ou apoiar qualquer atividade referente à data. Essa exclusão, em última instância, só promove a criminalização do grafite, dentro da limitada visão de cidade limpa que vem sendo praticada pela prefeitura de São Paulo.

Mas é claro que a data não foi esquecida. Não passou em branco, ou melhor, pelo cinza-pardacento preferido pela prefeitura.

O Núcleo de Grafite da Ação Educativa programou várias intervenções na cidade. Esse ano, as atividades são em homenagem a John Haward, um pioneiro e ativo grafiteiro de 70 anos. Hoje, na sua sede, vários artistas estão pintando um grande mural coletivo. Várias intervenções na cidade foram programadas para todo o mês de abril. A Ação Educativa está promovendo também uma exposição que estará aberta até 24 de maio. A exposição teve uma curadoria coletiva e reuniu 26 trabalhos de diferentes estilos. Participaram da seleção das obras: Binho, Cedeca Interlagos, Celso Gitahy, Eymard Ribeiro, Júlio Dojcsar, Thiago Vaz, Tikka e Tota.

A foto do artista realizando sua obra, um grafiteiro em absoluta fusão com seu grafite, ave-neon que ilumina a cidade, é a minha singela homenagem a todos os artistas de rua.
Ação Educativa - Rua General Jardim, 660 - Vila Buarque

quarta-feira, 26 de março de 2008

èpa bàbá - salve Oxalá


Oxalufã, o sábio e velho Oxalá

Há muito tempo, a Morte instalou-se numa cidade e dali não quis mais ir embora. A mortandade que ela provocava era sem tamanho e todas as pessoas do lugar estavam apavoradas. A cada instante tombava mais um morto. Para a Morte não fazia diferença alguma se o defunto fosse homem ou mulher, se o falecido fosse velho, adulto ou criança.

A população, desesperada e impotente, recorreu a Oxalá, rogando-lhe que ajudasse o povo daquela infeliz cidade. Oxalá, então, mandou que fizessem oferendas, que ofertassem uma galinha preta e o pó de giz efum.

Fizeram tudo como ordenava Oxalá. Com o efum pintaram as pontas das penas da galinha preta e em seguida a soltaram no mercado. Quando a Morte viu aquele estranho bicho, assustou-se e imediatamente foi-se embora, deixando em paz o povo daquela cidade.

Foi assim que Oxalá fez surgir a galinha d’angola. Desde então, as iaôs, sacerdotisas dos orixás, são pintadas como ela para que todos se lembrem da sabedoria de Oxalá e da sua compaixão.
(mitologia dos orixás - reginaldo prandi)

Oxaguiã, Oxalá jovem e guerreiro

terça-feira, 25 de março de 2008

para um poema de mario quintana



Os poemas são pássaros que chegam

não se sabe de onde e pousam

no livro que lês.

Quando fechas o livro, eles alçam vôo

como de um alçapão.

Eles não têm pouso

nem porto

alimentam-se um instante em cada par de mãos

e partem.

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,

no maravilhoso espanto de saberes

que o alimento deles já estava em ti...

sábado, 22 de março de 2008

dia da água


José Augusto Amaro Capela, o Zezão, é um grafiteiro muito especial. Talvez, um dos artistas que mais radicalizaram o sentido do grafite, da arte da rua. A arte de Zezão encanta e surpreende. Os delicados arabescos em tons de azul, sua marca registrada, foram batizados por ele de flops. Segundo entrevistas, os flops surgiram de estilizações da sua marca de pixador.



Seus flops estão nos museus e galerias de arte. E em geral, nos lugares mais degradados da cidade: becos, ruínas,edifícios abandonados, baixios de pontes e viadutos, nos córregos, canais de drenagem, galerias de esgotos. Neles se contrapõem delicadeza e degradação, beleza e sujeira, comunicação e invisibilidade, luz e sombras. A força desses paradoxos é que torna sua arte tão especial, tão singular entre os grafiteiros de Sampa.

Por tudo que representam, não posso pensar em melhor imagem para o dia internacional da água do que os flops de Zezão. Como esses contrastes expressam as atitudes contraditórias que temos em relação à água!


Sem água não haverá vida. Essa evidência ninguém questiona. Entretanto, os suprimentos de água doce do planeta vêm sendo assustadoramente poluídos e exauridos. Nos últimos 70 anos, a população mundial triplicou enquanto o consumo de água tornou-se seis vezes maior. A sensação de infinitude que sempre acompanhou nosso imaginário sobre esse recurso é hoje completamente anacrônica. Cada litro de resíduos que geramos pode contaminar 8 litros de água doce. Atualmente, cerca de 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso à água potável e 2,4 bilhões ao saneamento básico. Faça a sua parte. Mude seus padrões de consumo. Elimine os desperdícios. Exija dos candidatos às prefeituras políticas e programas que interfiram e mitiguem essa situação.



quinta-feira, 20 de março de 2008

memória de cartão postal

Manter a memória da paisagem, para um paulistano, é tarefa das mais trabalhosas. Por décadas e décadas - melhor seria dizer por mais de um século - vivemos num moto contínuo de demolições, reconstruções, demolições. A paisagem se altera significativamente de uma geração para outra. Quando nos damos conta, há um desconforto, um estranhamento e a conclusão de que o lugar não era bem assim.

As referências espaciais, tudo que mantém minha identidade com o meio, quando não desaparecem completamente, ficam restritas a um edifício, um monumento, ao que restou de uma praça, a um pequeno trecho de rua. Escassos elementos para reconstituir a paisagem na memória. Uma memória de cartão postal.

São Paulo foi sempre assim. Historiadores da cidade identificam as sucessivas fisionomias que a cidade adquiriu: a colonial cidade de taipa, a cidade européia da primeira república, a cidade modernista que se constrói a partir de 1930, e a metrópole conurbada, caótica, congestionada que emerge após os anos de 1960. São muitos os estudiosos e críticos desse destino. As políticas de preservação do patrimônio têm sido muito pífias na missão de conservar as paisagens urbanas.

A razão dessa falação toda são uns murais que tenho visto em vários pontos da cidade. Em comum, eles reproduzem fotos antigas de São Paulo, de vários períodos da sua história. Algumas vezes, a imagem reproduz uma foto do próprio bairro; em outras, patrimônios arquitetônicos são reproduzidos em áreas muito distantes. Quais são as intenções? Não sei. Eu, particularmente me sinto tocada pelas lembranças de paisagens que não existem mais ou foram muito modificadas. Surpresa com imagens deslocadas no tempo e no espaço. Nostálgica das minhas próprias paisagens. Crítica das paisagens que desapareceram sem qualquer registro porque produtos de atores sem voz na história.

Esses murais que estão num imenso portão de um depósito, na Mooca, além de reproduzirem paisagens de dois momentos distintos da história de São Paulo, trazem também, na figura de Adoniram Barbosa, a voz daqueles que removidos desaparecem junto com a paisagem.


sexta-feira, 14 de março de 2008

para um poema de manoel de barros





Não precisei de ler São Paulo, Santo Agostinho,
São Jerônimo, nem Tomás de Aquino,
nem São Francisco de Assis -
Para chegar a Deus.
Formigas me mostraram Ele.

(Eu tenho doutorado em formigas.)

quinta-feira, 13 de março de 2008

sociedade do automóvel


Falar dos problemas do trânsito, em São Paulo, se tornou uma obviedade. Há anos o colapso vem se anunciando. Virou rotina os congestionamentos quebrarem seus próprios recordes. Ontem, às 9hs da manhã, havia 186 km de lentidão. Sim, é desesperador. E explosivo. Semana passada, moradores da região sul inconformados com a lentidão e os problemas no transporte coletivo, realizaram um protesto quase espontâneo: interditaram a Estrada M Boy Mirim na altura do terminal de ônibus Guarapiranga. O resultado foi queima e depredação de ônibus, manifestantes presos e feridos, e o efeito dominó no trânsito da cidade. Imagine passar 30, 40, 50% do tempo da sua jornada de trabalho no trânsito... São muitos os dias de fúria.

Pode-se sempre argumentar, mas os fatos estão ai.

A ANFAVEA, associação que reúne as montadoras instaladas no Brasil, declarou que o ano de 2007 foi o melhor da sua história, as vendas e a produção foram recordes. Foram licenciados 2,463 milhões de novos veículos, 27,8% a mais do que em 2006. Para 2008, as previsões são de uma alta de 17,5% nas vendas internas.

O Departamento Estadual de Trânsito divulga mensalmente o total de veículos motorizados. Em janeiro, havia 5.989.234 veículos na cidade e 17.583.419 no Estado; em fevereiro, 6.019.136 e 17.685.584 respectivamente. É o que eles chamam de frota do Estado.

A CETESB, agência ambiental paulista, divulgou dados preliminares do seu relatório anual de qualidade do ar. Os dados revelam que em 2007, houve um aumento de 54% no número de vezes em que qualidade do ar ficou imprópria. Esse dado rompe um ciclo de declínio nos níveis de poluição do ar registrado desde 2002. Ou seja, as vantagens adquiridas com os carros de melhor tecnologia foram superadas e derrubadas pelo aumento do número de veículos. Além disso, estudos realizados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a circulação do ar e condições atmosféricas podem levar os poluentes até a 600 km de distância, invadindo cidades do interior.


Pesquisadores do Incor divulgaram estudos realizados nos últimos 20 meses, com pacientes que procuraram seu Pronto-Socorro, mostrando que os dias mais movimentados são também os mais poluídos. A ocorrência de ataques cardíacos aumenta entre 7% e 12%. O Médico Paulo Saldiva, diretor do Laboratório de Poluição da USP, há anos alerta sobre as doenças relacionadas à poluição do ar: derrame, incapacidade mental, estresse, sinusite, câncer de tiróide, faringite, asma, bronquite, angina, enfarte, infertilidade, etc, etc, etc.


Bom, além de tudo há um acidente de trânsito a cada 3 minutos, uma pessoa morta no trânsito a cada 6 horas, 8 vítimas fatais por dia devido à poluição do ar, mais gases do efeito estufa, aquecimento global, mudanças no clima.

Os stencils de Celso Gitahy são a “mais perfeita tradução” desse poder da sociedade do automóvel. Por quanto tempo o automóvel ainda exercerá esse monopólio radical sobre o espaço e sobre as pessoas? Faça a sua parte. Deixe o carro em casa sempre que possível. Promova caronas solidárias com seus amigos, visinhos, parentes, conhecidos. Vá a pé, de bike, de patinete, skate, ou por qualquer meio não motorizado que você inventar. Use o telefone, skype, msn, evite deslocamentos desnecessários. A vida agradece.

segunda-feira, 10 de março de 2008

rupestres



Que instinto primordial detonou essa busca para o registro, para a representação, para a preservação da memória, para a construção do sagrado, para as sensibilidades estéticas? Perguntas, perguntas, perguntas... Talvez tudo se resuma ao acaso e ao assombro de perceber que as mãos manchadas de sangue deixaram uma impressão na parede. Talvez.

A arte rupestre, da pré-história ou das sociedades pré-colonização do novo e novíssimo mundo, me toca encantamentos, transcendências... principalmente essas imagens sem outro símbolo que a impressão das mãos, por primordial que ela me parece ser.


Encontrei as impressões de mãos também nesse grafite, na Praça Roosevelt, caverna urbana cheia de precários acampamentos. Não sei quem grafitou, nem qual era sua intenção. Pra mim provocou essa sensação de eterno retorno, por mais pós-tudo que imaginamos ser.

Nesses tempos de imprecisão dos conceitos, só a poesia nos salva.

Por viver muitos anos dentro do mato
moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro —
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
por igual
como os pássaros enxergam.
As coisas todas inominadas.
Água não era ainda a palavra água.
Pedra não era ainda a palavra pedra.
E tal.
As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.

Manoel de Barros

sexta-feira, 7 de março de 2008

8 de março

Para
Amélia, Beatriz, Cleide, Dora, Eunice, Flora, Gabriela, Helena, Isabel, Julia, Laura, Maria, Nair, Odete, Paula, Quirá, Rosa, Silvana, Teresa, Úrsula, Vera, Xênia, Zenaide, Ana, Berenice, Carmem, Doralice, Eurídice, Filomena, Gertrudes, Hortência, Isaura, Jurema, Lúcia, Monalisa, Nana, Olga, Priscila, Quitéria, Rute, Sonia, Teolinda, Uma, Vilma, Xena, Zilda, Aparecida, Bárbara, Clarice, Dulcinéia, Elisabete, Fabíola, Gilda, Heliodora, Inês, Juliana, Laurinda, Mafalda, Nélia, Otília, Pina, Quimera, Rosália, Serena, Talita, Urana, Xerazade, Zilá, Ágata, Benedita, Conceição, Diana, Eloá, Fábia, Generosa, Haidê, Iemanjá, Jaqueline, Lara, Manoela, Naomi, Ofélia, Pilar, Quirina, Rosely, Sandra, Teodora, Ulima, Valentina, Xuxa, Zoraide, Angélica, Brigite, Clara, Darlene, Efigênia, Felícia, Giselda, Helga, Ivete, Josefina, Leila, Madalena, Neusa, Olinda, Penha, Quaraciama, Rufina, Shirlei, Tarsila, Ubirajara, Vânia, Xantipa, Zélia, Alice, Branca, Cecília, Désirée, Elsa, Fátima, Gerusa, Hebe, Iracema, Jasmim, Léa, Moema, Nora, Odemira, Penélope, Renata, Sebastiana, Tais, Ula, Vanusa, Ximena, Zelda, Adalgisa, Bernadete, Cibele, Djanira, Eva, Fernanda, Gioconda, Henriqueta, Imaculada, Joana, Leocádia, Marlise, Nádia, Olímpia, Plácida, Quaraci, Rafaela, Susana, Valéria, Xavantina, Zulmira, Alexandra, Bibiana, Cássia, Dinorá, Emília, Florípedes, Getúlia, Irma, Janete, Lurdes, Margot, Nara, Olívia, Potira, Ondina, Patrícia, Quaresma, Roberta, Salomé, Telma, Ulpiana, Xaviera, Zelinda, Abigail, Bernarda, Cinira, Diva, Edwiges, Francisca, Gina, Herondina, Leda, Morgana, Neide, Otacila, Porcina, Quelidônia, Rebeca, Túlia, Ubiracema, Vanessa, Xante, Zuleica e a todas as mulheres com outros nomes, e nomes em outras línguas que eu não sei nomear.

E especialmente, para as 900 mulheres da Via Campesina que esta semana promoveram um ato de protesto contra a monocultura do eucalipto e em defesa da soberania alimentar da população brasileira.

- Feliz 8 de março.


























































































































































































































































Para não esquecer
No Dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos de Nova Iorque fizeram uma greve. Ocuparam a fábrica. Reivindicavam a redução da jornada de trabalho para dez horas (o exigido eram 16 horas de trabalho diário), equiparação salarial (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, nesse ato absurdamente desumano.

terça-feira, 4 de março de 2008

na praça roosevelt

Não ando pela Praça Roosevelt há tempos. Outro dia, o Miguel me enviou uma mensagem com a foto de um grafite novíssimo na praça. Foi atração fatal, apesar da advertência que ele me fez sobre o local não ser adequado para “moças de família”.

A Roosevelt é uma praça bem estranha com seus três andares. É certo que há um desnível entre a Rua Augusta e a Consolação, mas nada que justificasse tanto concreto. Sob as lajes, no piso mais baixo, corre parte do complexo viário do Minhocão, ligando as zonas leste e oeste da cidade. É outro monumento urbano dos anos de 1970.


As construções que estão na praça já tiveram vários usos. Eu só me lembrava do supermercado, da floricultura e do CIM – Centro de Informação da Mulher. Acho que a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana também ocuparam instalações da praça.

Resolvi ir atrás do grafite no domingo. Há uma feira-livre ali e eu deduzi que encontraria mais gente circulando. Entrei pelo lado direito, os feirantes estavam desmontando suas barracas, sujeira monumental na rua. Mas o estado de degradação da praça não era muito diferente daquele final de feira. Naquele piso, só a floricultura ainda estava funcionando. Tudo o mais foi removido e os prédios estavam com as janelas emparedadas para evitar invasões.


Chocante! Há dois anos a prefeitura anunciou uma nova proposta para a Praça Roosevelt. Reforma total, mais verde e menos concreto. Boatos veicularam a suspeita de que a intenção era construir um novo shopping no local. Não sei se procede. O certo é que, em nome dessa reforma, as atividades que ocupavam os edifícios foram removidas. Como nada aconteceu, a população de rua ocupou a área e ninguém mais cuida do espaço.

Acho que meu espanto foi por conta do desejo. Na calçada oposta, a vinda dos teatros deu vida nova ao local. Estão ali os Parlapatões, o Espaço dos Sátiros, Teatro Studio, Teatro do Ator, acompanhado pelos bares, lanchonete, livraria, enfim, eu simplesmente fantasiei que esse movimento tivesse se estendido por toda a praça.

Os grafites? São muitos. Alguns já antigos, desbotados, pixados, ou com muitos vestígios de fogueira. Outros, desafiando a degradação do lugar, mantêm um difícil diálogo com os moradores de rua.

E a provocação do Miguel? Bem, o grafite que me levou até lá fica para outra postagem.