domingo, 30 de dezembro de 2007

pequeno oratório do poeta para o anjo



À maneira
de quem lê poesia
acariciando cicatrizes.

À maneira
de quem lê um livro
iluminando capítulos
entrelinhas enredos.

Li o anjo.

(neide archanjo)

sábado, 29 de dezembro de 2007

um cantador de jingles

Saindo do cinema dei de cara com a figura. Achei que era um ator na sua performance de estátua viva. Estranhei a simplicidade da maquiagem, do figurino, o megafone nas mãos... Me aproximei e entendi sua proposta: o homem estava ali com a missão de exercitar nossa memória. Um cantador de jingles antigos. Quando mais curiosos se acercaram, ele levantou o megafone e cantou:

- estrela das Américas no ceu azul,
iluminando de norte a sul,
mensagens de amor e paz,
nasceu Jesus, chegou o Natal,
Papai Noel voando a jato pelo ceu,
trazendo um Natal de felicidade
e um ano novo cheio de prosperidade.






A simplicidade da sua proposta contrastava em tudo com a exuberância - ou seria melhor dizer exagero? – das montagens natalinas na Av. Paulista. É claro que todos lembramos do jingle tocado por décadas no rádio, na televisão. Como aplaudimos, ele mandou outro:


- já é hora de dormir,

não espere mamãe mandar,

um bom sono pra você,

e um alegre despertar.





Então era isso? Cutucar memórias emocionais, nostalgia de outros Natais? Que malandro! Fiquei com vontade de comer arroz de forno, rabanadas, saudades de um sabor quase etéreo na memória, uma inusitada mistura de cidra com guaraná. Será que alguém ainda vai à missa do galo? Galos ainda tecem manhãs, João?

Quem se lembra?










domingo, 23 de dezembro de 2007

aprendendo a viver junto?









Solidão, o silêncio das estrelas, a ilusão

Eu pensei que tinha o mundo em minhas mãos

Como um deus e amanheço mortal

E assim, repetindo os mesmos erros, dói em mim

Ver que toda essa procura não tem fim

E o que é que eu procuro afinal?

Um sinal, uma porta pro infinito, o irreal

O que não pode ser dito, afinal

Ser um homem em busca de mais, de mais...

Afinal, como estrelas que brilham em paz, em paz...

Solidão, o silêncio das estrelas, a ilusão

Eu pensei que tinha o mundo em minhas mãos

Como um deus e amanheço mortal

Um sinal, uma porta pro infinito, o irreal

O que não pode ser dito, afinal

Ser um homem em busca de mais...



(Lenine)















sábado, 22 de dezembro de 2007

onqotô

Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?

(Luís de Camões - Os lusíadas)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

para um poema de neide archanjo



Hoje
olhei a tua nuca
como se ali
não houvesse depositado
todos os beijos
que incandescentes
ainda resplandecem!
.
.
.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Sprays poéticos

Tenho encontrado grafites que me emocionam como poemas visuais. As vezes, eles são acompanhados por uma frase, um verso, uma palavra, uma mensagem escrita que se integra à expressão gráfica, pictórica, e o diálogo fica perfeito.


O grafite que vi na Rua Sabará, em Higienópolis, no muro de um estacionamento, trazia algo mais. Um carimbo, uma marca: Sprays Poéticos. Fiquei encantada com a proposta. Fui investigar e achei o projeto de Rica P, da produtora A Caravana. A idéia foi convidar artistas feras do stencil para que interpretassem poemas de Alice Ruiz, Paulo Leminski, Valeria Andrade e do próprio Rica P. Os Sprays Poéticos foram fotografados por Beto Riginik e o trabalho foi apresentado numa exposição na Casa das Rosas. Pra minha decepção, isso tudo rolou em meados de 2006. Perdi.


Esse que fotografei é do Celso Gitahy e da Valeria Andrade. Passei por lá esses dias e o grafite não existe mais. O muro foi pintado. Está todo branco esperando outras artes. Efêmeras. Como tudo.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

O retratista do Trianon



Tarde de domingo. Eu estava caminhando pela Paulista, máquina fotográfica na mochila. Parei pra expiar a feirinha que acontece na calçada do Trianon. No meio das barraquinhas, vi o retratista. Era o seu atelier. Local de expor seu trabalho e de se expor trabalhando. As pessoas param, olham, reconhecem retratos de famosos, reagem com admiração pela habilidade em realizar o desenho figurativo, a reprodução realista dos modelos vivos ou das fotografias apresentadas. Um ou outro não resiste ao desejo, pergunta o preço e encomenda um retrato.
Há vários desses retratistas pela cidade. O desejo de ter a imagem pessoal reproduzida é uma constante, só as formas é que variam. Pensando nisso, lembrei da história da fotografia e de como uma das primeiras demandas de uso daquela nova invenção foi para satisfazer o desejo de quem não podia pagar aos pintores para ter sua imagem reproduzida, eternizada. Inda que naquela época, as pessoas tivessem que passar horas e horas amarradas para garantir sua imobilidade até que a imagem fosse registrada no daguerreótipo.
Peguei a máquina e perguntei ao homem se poderia fazer um retrato do retratista. Ele consentiu. Mostrei como tinha ficado a pequena imagem digital e ele sorriu aprovando. Depois, perguntou se eu não poderia fotografar um quadro seu, um retrato a óleo que estava ali exposto. Ele queria colocar a foto do quadro no seu cartão de visitas. Eu disse que sim e comecei a procurar um ângulo onde a luz fosse mais favorável. Os papéis se inverteram e ele passou a me observar. Enquanto eu ajustava a máquina, pelos caminhos que só as associações de imagens conhecem, ele me perguntou de repente: - você assistiu aquele filme com o Clint Eastwood ? Ele era um fotógrafo...
- As pontes de Madison? – respondi procurando seu olhar. E percebi a expressão emocionada, o olhar repassando imagens como se estivessem sendo projetadas na linha do horizonte.
- Eu chorei muito – confessei, em expectativa para o que ele queria me comunicar.
E como se tivesse acabado de reavaliar uma decisão, ele me disse: - eu resolvi mudar. A vida é uma só. A mesma água não passa duas vezes por debaixo da ponte.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Virá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi

























Menor que meu sonho
não posso ser
Mil identidades secretas.
Mil sobras, sombras, mil dias.
Todas palavras e tudo.
Barco de ambigüidade,
sôfregas palavras.
De todas contradições, desencontros,
dos contrários de mim,
andarilho da flecha de várias pontas,
direções.
Dos outros seres
que também andarilham.
Pois menor que meu sonho
não posso ser

lindolf bell





quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Paulista adora fila?







Odeio filas e raramente consigo me livrar delas. Fazemos fila pra tudo. É fila no banco, no restaurante, no ponto de ônibus, no banheiro, no cinema, no hospital, no supermercado. Tem até fila para cumprimentos, beija-mão. As maiores são as filas para disputar uma vaga de emprego. Ou aquelas para receber seguro desemprego. E a fila da escola? Nessa não adiantava chegar cedo. Cumprida como eu era, estava sempre entre os últimos.



Há filas de vários formatos. A indiana – não sei porque deram esse nome – é um ordenamento em forma de linha, mais ou menos reta. Podemos encontrar variações em caracol e em ziguezague. Também é muito comum a fila jibóia que vai engolindo amigos e conhecidos e cresce toda encaroçada. Tem fila que não parece fila, mas quando alguém tenta passar na frente de outro, o bolo todo reclama porque parece que todos sabem a ordem de chegada. Tem gente que faz fila até quando os lugares já estão numerados, nomeados, especificados, determinados. Será que é tesão pela coisa? O certo é que a fila virou um ambiente urbano. Rola de tudo: impaciência, submissão, protestos localizados, paqueras, infinitas possibilidades de comunicação.




Para expressar esse fenômeno, as artistas plásticas Gigi Manfrinato e Sandra Lee elaboraram a instalação Fila. São 28 esculturas em tamanho natural, representando os mais variados tipos da cidade. A instalação estará no Sesc Consolação até 15/12.




















terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O violão azul




Homem curvado sobre violão,

Como se fosse foice. Dia verde.

Disseram: "é azul teu violão,

Não tocas as coisas tais como são".

E o homem disse: "as coisas tais como são

Se modificam sobre o violão."

E eles disseram: "toca uma canção

Que esteja além de nós, mas seja nós,

No violão azul, toca a canção

Das coisas justamente como são".

wallace stevens

domingo, 2 de dezembro de 2007

Vivendo junto





A novidade veio dar a praia


Na qualidade rara de sereia


Metade o busto de uma deusa maia


Metade um grande rabo de baleia


A novidade era o máximo


Do paradoxo escondido na areia


Alguns a desejar seus beijos de deusa


Outros a desejar seu rabo pra ceia


O mundo tão desigual


Tudo é tão desigual


(gilberto gil)