sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

O retratista do Trianon



Tarde de domingo. Eu estava caminhando pela Paulista, máquina fotográfica na mochila. Parei pra expiar a feirinha que acontece na calçada do Trianon. No meio das barraquinhas, vi o retratista. Era o seu atelier. Local de expor seu trabalho e de se expor trabalhando. As pessoas param, olham, reconhecem retratos de famosos, reagem com admiração pela habilidade em realizar o desenho figurativo, a reprodução realista dos modelos vivos ou das fotografias apresentadas. Um ou outro não resiste ao desejo, pergunta o preço e encomenda um retrato.
Há vários desses retratistas pela cidade. O desejo de ter a imagem pessoal reproduzida é uma constante, só as formas é que variam. Pensando nisso, lembrei da história da fotografia e de como uma das primeiras demandas de uso daquela nova invenção foi para satisfazer o desejo de quem não podia pagar aos pintores para ter sua imagem reproduzida, eternizada. Inda que naquela época, as pessoas tivessem que passar horas e horas amarradas para garantir sua imobilidade até que a imagem fosse registrada no daguerreótipo.
Peguei a máquina e perguntei ao homem se poderia fazer um retrato do retratista. Ele consentiu. Mostrei como tinha ficado a pequena imagem digital e ele sorriu aprovando. Depois, perguntou se eu não poderia fotografar um quadro seu, um retrato a óleo que estava ali exposto. Ele queria colocar a foto do quadro no seu cartão de visitas. Eu disse que sim e comecei a procurar um ângulo onde a luz fosse mais favorável. Os papéis se inverteram e ele passou a me observar. Enquanto eu ajustava a máquina, pelos caminhos que só as associações de imagens conhecem, ele me perguntou de repente: - você assistiu aquele filme com o Clint Eastwood ? Ele era um fotógrafo...
- As pontes de Madison? – respondi procurando seu olhar. E percebi a expressão emocionada, o olhar repassando imagens como se estivessem sendo projetadas na linha do horizonte.
- Eu chorei muito – confessei, em expectativa para o que ele queria me comunicar.
E como se tivesse acabado de reavaliar uma decisão, ele me disse: - eu resolvi mudar. A vida é uma só. A mesma água não passa duas vezes por debaixo da ponte.

6 comentários:

Turma 8 Delphos disse...

Rose,
Gosto do seu jeito de olhar .Somos muito parecidas .Não vemos com os olhos , não usamos apenas os sentidos, olhamos com a alma.
Faço parte do blog segredos e mistérios ,junto com a Sandra.Muito bom o seu trabalho.Passarei sempre por aqui.Sucesso!

Rose disse...

Rose, texto e 'olhar' perfeitos e emocionantes.
Bom, muito bom vir aqui e beber na tua fonte.

"Nós não podemos nunca entrar no mesmo rio, pois como as águas, nós mesmos já somos outros"
--Heráclito de Efeso--

Beijos carinhoso.

Anônimo disse...

Gostaria de deixar meu recado dizendo que endosso o que ambas disseram. Gosto do seu jeito de olhar e venho aqui beber na tua fonte quase todos os dias. Nao faco parte de nenhum blog, apenas sou apaixonada por fotografia e pela sua sensibilidade. Continue sempre a fotografar e a escrever. Sei que muitas pessoas, assim como eu, aguardam ansiosamente o seu recado. Parabens!

Beth Gutierres disse...

Desculpe-me. O comentario acima saiu como anonimo por engano.

Unknown disse...

Olá Rose, obrigada pelo convite. Muito interessante o seu lado observador. Os registros são ótimos! Carinhos, Tânia

Anônimo disse...

ôba Rose, acho que vou escolher este seu artigo para botar na revista... vc aprova? eu adorei, mas ainda não li todos...
bj