quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

a menina e o gigante



Era uma vez uma aldeia que ficava num vale, cercada por altas montanhas. Nessa aldeia vivia uma menina chamada Kiry.


Kiry e as outras crianças brincavam sempre no pátio da aldeia. Às vezes, Kiry parava de brincar e ficava pensativa, olhando para as montanhas. - O que havia além das montanhas? Todos na aldeia diziam que além das montanhas morava um gigante e que ele devorava as pessoas. Um dia, Kiry resolveu conversar com sua mãe sobre esse assunto.


- Mãe, o que existe alem das montanhas?

E sua mãe respondeu: - Além das montanhas mora um gigante e ele devora as pessoas.

- E você já viu o gigante, mamãe?

- Eu não - disse a mãe - mas a sua avó já viu e foi ela quem me contou.

Então Kiry resolveu ir até a casa da avó para perguntar-lhe sobre o gigante.

- Vovó, você sabe o que há além das montanhas?

- Sei, disse a avó trazendo Kiry para perto de si. – Além das montanhas mora um gigante. E esse gigante devora as pessoas.

- Você viu o gigante, vovó?

- Eu não vi, disse a avó. – Mas a minha mãe viu e foi ela quem me contou.

Como a bisavó de Kiry já havia morrido, ela não pode continuar com suas perguntas. Então, Kiry resolveu ver o que havia além das montanhas. Pegou algumas coisas que precisava para a viagem e começou sua caminhada. Andou e andou e quanto mais avançava subindo a encosta, mais seu coração ia ficando ofegante e apertado. Até que ela chegou ao topo da montanha.

Do outro lado, Kiry viu um bosque com árvores antigas e grossas. Ela espiou e espiou até que viu uma sombra enorme entre as árvores. Seu coração disparou. – É ele, o gigante! - ela pensou. Então começou a descer vagarosamente o outro lado da encosta, na sua direção. E a medida em que ela avançava, aproximando-se, a sombra ia diminuindo. E foi diminuindo, diminuindo, até que de repente, Kiry deu de cara com ele, e perguntou:

- Você é um gigante ou um anão?

E ele respondeu: - eu sou do tamanho do medo de cada um.







Quando vi esse desenho lembrei-me imediatamente da história de Kiry, um conto africano que me contaram e que passei a contar da minha maneira, ou da maneira como ouvi. Só havia contado oralmente. É a primeira vez que escrevo. Espero não ter diminuído a sua beleza. O desenho é de Merdanchik. http://blog.merdanchik.com/

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

o MAC expõe, o Kassab apaga


Primeiro foram os outdoors. Tudo bem, havia exageros, excessos, mas era só uma questão de estabelecer normas e fiscalizá-las. Afinal, num país de analfabetos e semi-alfabetizados, muitas outras formas de leitura são usadas pela população para localizar espaços e endereços na cidade. Além disso, alguns outdoors e luminosos de tão incorporados à paisagem urbana, constituíam o patrimônio da cidade. Mas, vá lá, o alcaide mobilizou esforços, recursos, e a cidade ficou pelada dos seus outdoors, placas, luminosos e outras formas de identificação. Há quem apóie, há quem discorde dessa medida.


Agora, são os grafites. As subprefeituras de São Paulo vêem sistematicamente eliminando os grafites dos muros da cidade. Faz parte da política de limpeza. O alcaide deve adorar a cor cinza-pardacenta da tinta usada para destruir os grafites. Li declaração da Secretaria Municipal que coordena as subprefeituras afirmando que elas pintaram 1 milhão de metros quadrados de muros em 2006. No primeiro trimestre de 2007 foram mais 500 mil metros quadrados de muro. O custo disso tudo é de R$ 300 mil mensais. Multipliquem e terão o total de recursos públicos gastos com o que Kassab considera sujeira.


Para a prefeitura, grafite só pode nos espaços autorizados. OK! São magníficos os murais pintados pelos grafiteiros na Av. 23 de maio ou o mural comemorativo do centenário da migração japonesa na Av. Paulista. Mas pretender que seja sempre assim é não entender nada. Grafite é arte da rua, uma doação que artistas grafiteiros fazem à cidade e aos cidadãos. Não dá pra querer normatizar, disciplinar, domesticar. É preciso não esquecer que é uma arte que tem uma característica marcante de contestação, de transgressão, um sentido libertário, criativo e crítico. Não depende de autorizações, alvarás e licenças. Outra característica é ser efêmera. Mas a prefeitura anda exagerando na rapidez com que faz desaparecer dos muros qualquer vestígio. Antes tivéssemos respostas aos outros problemas que a cidade e seus cidadãos enfrentam com tamanha rapidez!


E enquanto o Kassab apaga, o MAC – Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – expõe. Reconhecendo a importância dessa expressão artística contemporânea, o Museu apresenta a exposição Italian Street Art Meets The World. A exposição pretende confrontar a experiência de artistas brasileiros e italianos. Estão expostos 60 trabalhos, metade de grafiteiros brasileiros, metade de italianos. Entre os brasileiros foram selecionados dez artistas: Boleta, Bugre, César Profeta, Highraff, Prozak, Ndrua, Smael, Tim Tchais, Yá! e Zezão.






O curador da mostra é Fábio Magalhães com assessoria do grafiteiro Boleta. A mostra estará aberta ao público entre os dias 17/01 e 09/03 e a entrada é gratuita. O MAC fica no Parque Ibirapuera, no prédio da Bienal. Há quem conteste a entrada do grafite nos museus e galerias, mas essa é uma outra discussão.

Link http://www.macvirtual.usp.br/MAC/templates/exposicoes/streetart/apresentacao.asp














terça-feira, 29 de janeiro de 2008

nas cidades de Pasárgada




Os grafites são de São Paulo, mas o assunto ainda é sobre Fortaleza.
Li uma nota no jornal O Estado de São Paulo sobre o serviço Disque 100, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, ligada à Presidência da República. A nota indicava que no ano de 2007, esse serviço recebeu um aumento de 80% no número de casos denunciados em relação a 2006. Em 2007 foram registradas quase 25.000 denúncias de maus tratos e exploração contra crianças e adolescentes. Em 2006, o número de denúncias foi de 13.800.
É claro que esses números referem-se a todo o Brasil. Mas me chocou a forma como o turismo sexual acontece em Fortaleza, a capital do turismo sexual. Entre outros estrangeiros, é marcante a presença dos italianos. Na revista Carta Capital li que a polícia italiana prendeu os proprietários de uma agência de viagem que vendia “pacotes” a 2000 euros, por 15 dias, para aqueles que buscavam a prostituição entre jovens de 16 a 18 anos. Para os turistas que procuravam crianças menores de 16 anos, havia uma taxa extra.
Além das agências especializadas no turismo sexual, existe a conivência e cumplicidade do setor de serviços que se beneficia com a presença desses turistas. Apesar de existirem alguns outdoors pela cidade e da distribuição de panfletos nos principais pontos turísticos alertando para o crime e divulgando o Disque 100, são medidas insipientes na repressão desse crime.
Combata e denuncie a pedofilia!
Que os jovens possam viver uma sexualidade emancipadora e livre da violência e dos abusos.

Sprays poéticos



Na Vila Madalena. O poema é de Rica P e o grafite de Bete Nobrega.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

para um poema de carlos besen


A alegria da árvore não é saber a arquitetura do ninho.
Nem crescer engordando as cascas.
Nem reter longe os frutos que o vazio da mão já palpita.
Nem nutrir a bucha com que se lava até o nu nos outonos.
Nem polir-se com a orquestra do orvalho nas folhas.
Nem exibir, sem vaidade e sem timidez, as rugas do caule, a calvície do tronco.
Nem filtrar a luz, escoando poças de sol no chão da brisa.
Muito menos revolver novo o que lhe é devolvido gasto.
Nem é alegria de árvore.
Minha alegria não é desbotar-me, nem sobrar das sobras,
nem caminhar escuro, cavando profundo,
nem semear e nutrir longe, imóvel:
é me celebrar apenas quando disperso como uma folha,
quando vivo com doação e desperdício.
Nem é minha a alegria.
Não sei me comparar para me incluir.
Uma alegria de árvore não pode ser resumida.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

estava na cabeça? tá no muro

Chegando a Fortaleza, com olhos compridos pelas janelas do táxi, eu revi a cidade onde passei férias maravilhosas com meu amor. Agora, o programa era outro. Estava trazendo minha mãe pra conhecer a cidade, junto com minha irmã. Eu ia lembrando os lugares onde estivemos, selecionando aqueles que seriam mais adequados a essa outra companheira de viagem com seus 80 anos. Uma mistura das paisagens interiores com as que eu iria rever.
A caminho do hotel eu notei o muro, todo escrito. Consegui ler uma coisa ou outra, achei interessante a forma como tinham dividido o espaço, mas, não podia parar o táxi e ler tudo, fotografar. Não consegui nem localizar direito qual era o nome da rua pra voltar depois.
As férias foram rolando, alugamos um carro pra facilitar os deslocamentos da nossa “jovem” companheira de viagem, minha irmã de motorista, eu de co-piloto, lendo mapas, buscando os caminhos, mão e contramão das ruas de Fortaleza. De repente, eu vi o muro e, novamente, não podíamos parar. Mas como eu ia numa atenção total pelos caminhos, guardei sua localização.
Na véspera de voltarmos pra casa, antes de seguir para nossos últimos passeios, fomos lá. As duas ficaram no carro, eu desci e pude matar a curiosidade sobre o que estava escrito naquele muro cercando um grande terreno, quase um quarteirão para especulação imobiliária. Minha mãe, acostumada as minhas esquisitices, não fez nenhum comentário sobre o estranho ponto turístico que eu queria ver e fotografar. Quando voltei pro carro, me perguntou: - ficaram boas as fotos? Algumas estão aqui.















Na verdade, toda aquela escrevinhação foi obra de um só grafiteiro: o sapateiro Alves. Minha primeira impressão foi de que os escritos eram ditados, provérbios populares. Sim, havia alguns. Mas era muito mais que isso. Algumas frases eram protestos contra os políticos e suas políticas. Outras eram preces, pedidos de alívio para suas aflições, um muro das lamentações. Havia também conselhos aos transeuntes, reflexões sobre a vida, registros de episódios cotidianos do sapateiro Alves. Aquilo era um verdadeiro blog. Por isso os espaços estavam tão bem divididos, cumprindo seus múltiplos papéis.


terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Sprays poéticos em Fortaleza


Férias. Uma semana em Fortaleza. Muitos arteiros nas ruas. Encontrei poucos grafites. Pra compensar dei de cara com uma parede cheia de sprays poéticos. O pessoal andou por aqui. Foi o resultado de uma oficina de Sprays Poéticos que Rica P e Claudio Donnato deram no magnífico Centro Cultural Dragão do Mar.



sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Sprays poéticos


Encontrei esse outro spray poético num beco da Vila Madalena. O stencil é de Celso Gitahy e o hai-kai de Alice Ruiz

lembra o tempo
que você sentia
e sentir
era a forma mais sábia
de saber
e você nem sabia?

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

o haiti é aqui o haiti não é aqui

Quando você for convidado pra subir no adro

Da fundação casa de Jorge Amado

Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos

Dando porrada na nuca de malandros pretos

De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos

Só pra mostrar aos outros quase pretos

(E são quase todos pretos)

E aos quase brancos pobres como pretos

Como é que pretos, pobres e mulatos

E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados

E não importa se os olhos do mundo inteiro

Possam estar por um momento voltados para o largo

Onde os escravos eram castigados

E hoje um batuque um batuque

Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária

Em dia de parada

E a grandeza épica de um povo em formação

Nos atrai, nos deslumbra e estimula

Não importa nada:

Nem o traço do sobrado

Nem a lente do fantástico,

Nem o disco de Paul Simon

Ninguém, ninguém é cidadão

(caetano veloso)





sábado, 5 de janeiro de 2008

para um poema de rosângela darwich



Há dias para as palavras
e dias mudos.
Celas entre vozes e silêncio,
há dias impenetráveis
e dias cúmplices.
Sob profecias e arbítrios,
há dias só para os deuses
e dias que se interrogam como qualquer homem.


quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

ciclovias piratas


Confesso que não sei andar de bicicleta. Quando criança, só tive um triciclo, apesar dos inúmeros pedidos e negociações por uma bicicleta, dessas que têm rodinhas de apoio atrás. A cada ano eu morria de inveja dos amigos ou vizinhos que vinham para a rua exibir sua preciosidade. Rapidamente as tais rodinhas eram levantadas. O pai ia correndo ao lado, segurando no selim e, de repente, largava e lá ia o felizardo em ziguezague, sozinho, tinha aprendido a andar. Parecia tão fácil...

Aniversários e natais foram passando e nada da bicicleta chegar, até que ela foi preterida da lista dos desejos e acabou esquecida. Ficaram as fantasias de velocidade, do vento batendo na cara, possibilidades de locomoção, promessas de liberdade.



Anos depois, até houve uma tentativa de aprendizado mas redundou em fracasso: à ausência das rodinhas de apoio juntou-se a incerteza de poder encontrar o equilíbrio, o receio das quedas. Enfim, não sei andar de bicicleta. Vou a pé.


Todo esse blábláblá sobre a frustração de não ser ciclista bateu por causa da intervenção urbana que ciclistas e grafiteiros fizeram sinalizando com stencil algumas das principais avenidas da cidade. Criaram ciclovias piratas. Foi um protesto pela falta desse espaço na cidade, e um alerta pela falta de segurança e respeito ao ciclista.







Estima-se que 250 mil bicicletas circulem diariamente pela cidade, mas só existem 30 km de ciclovias e, assim mesmo, 19 km estão localizados em parques e áreas de lazer. Outras, vão do nada para lugar nenhum, como a da Av. Pedroso de Moraes, em Pinheiros. Em contraste, são quase 16 mil quilômetros de ruas. E é claro, saturadas pelos carros, congestionamento, poluição.

Legislação existe. Faltam políticas públicas. Estudos de mobilidade urbana mostram que a bicicleta é um bom meio de transporte sustentável. É uma alternativa possível para cidades de vários portes. Mas é preciso investir em ciclovias, e quando estas não forem possíveis, no mapeamento e divulgação de rotas alternativas, em sinalização, em sistemas integrados com os transportes públicos, em bicicletários, em educação para ciclistas, pedestres, motoristas. É viável e necessário e urgente. Em tempos de efeito estufa, de mudanças climáticas, todas as alternativas devem ser consideradas. E as eleições para os novos alcaides estão ai. Não se esqueça.
Se puder, vá de bike.