sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Simone de Beauvoir e grafiteiras

Domingo fui excursionar lá pela Freguesia do Ó, Vila Nova Cachoeirinha e adjacências. Gosto de fazer excursões urbanas, visitar bairros por onde nunca ando, completamente fora dos meus trajetos. Gosto de observar como se deu a ocupação, relacioná-la aos ciclos que constroem e reconstroem essa cidade, ou melhor, as várias cidades que existem nessa São Paulo. E é claro, apreciar também os grafites que vou encontrando. Outros temas, outras artes, outros artistas.
Não tem nenhum planejamento nessa atividade além da escolha do bairro, ou de uma direção. E ai, é a surpresa com alguma construção histórica, com soluções arquitetônicas que vão se repetindo - talvez por que estivessem na moda num determinado período -, com uma pracinha que surge de repente e parece de outra cidade, beirando ao bucólico, enfim, com a paisagem do bairro. Os grafites são um complemento a isso tudo.
Guiada somente pelo fluxo das ruas, mão e contramão, fui parar no Cemitério da Cachoeirinha. E ai a surpresa, o muro todo grafitado. Muitos grafites feitos por meninas. Não sei se todos da crew Linha Rosa, presença forte por ali. Mas o que me surpreendeu mesmo foi encontrar o mote que orientou argumentações de milhares de feministas, por décadas afora, num dos grafites: Não se nasce mulher, torna-se mulher! Será que “O Segundo Sexo” voltou a ser leitura das meninas grafiteiras? Voltei para casa com a curiosidade instalada.
No final da tarde, fui ler os jornais. Na Revista da Folha, dei novamente com Simone de Beauvoir, na coluna de Vange Leonel. Explico. Depois de ler a fala de final de ano do papa Bento 16, ela se sentiu assombrada com a afirmação de que o ser humano está em risco de extinção por usar a noção de gênero. Ou, como diz Vange, “criticou a revolução iniciada com Simone de Beauvoir, que diferenciou gênero feminino (construído socialmente) de sexo feminino (determinado biologicamente).”
“O papa condenou a possibilidade alentadora de cada um se reinventar como homem, como mulher ou qualquer coisa entre os dois extremos.”, conclui Vange.
E toma uma decisão: ao invés de comemorar o ano de 2009 do calendário cristão, ou de 1430 do calendário islâmico, ou 5769 do hebraico, ou 2500 dos budistas, resolveu comemorar o ano 60 de era da libertação, iniciada com a publicação do “Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir. E deseja-nos Feliz 60!
Sim, Feliz 60! As grafiteiras da Vila Nova Cachoeirinha é que estão sabendo.


Um comentário:

Ana disse...

Rose, gostei da idéia! Ano 60 de Beauvoir! O texto tá uma delícia, a foto tá linda! Beijocas!