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Domingo fui excursionar lá pela Freguesia do Ó, Vila Nova Cachoeirinha e adjacências. Gosto de fazer excursões urbanas, visitar bairros por onde nunca ando, completamente fora dos meus trajetos. Gosto de observar como se deu a ocupação, relacioná-la aos ciclos que constroem e reconstroem essa cidade, ou melhor, as várias cidades que existem nessa São Paulo. E é claro, apreciar também os grafites que vou encontrando. Outros temas, outras artes, outros artistas.
Não tem nenhum planejamento nessa atividade além da escolha do bairro, ou de uma direção. E ai, é a surpresa com alguma construção histórica, com soluções arquitetônicas que vão se repetindo - talvez por que estivessem na moda num determinado período -, com uma pracinha que surge de repente e parece de outra cidade, beirando ao bucólico, enfim, com a paisagem do bairro. Os grafites são um complemento a isso tudo.
Guiada somente pelo fluxo das ruas, mão e contramão, fui parar no Cemitério da Cachoeirinha. E ai a surpresa, o muro todo grafitado. Muitos grafites feitos por meninas. Não sei se todos da crew Linha Rosa, presença forte por ali. Mas o que me surpreendeu mesmo foi encontrar o mote que orientou argumentações de milhares de feministas, por décadas afora, num dos grafites: Não se nasce mulher, torna-se mulher! Será que “O Segundo Sexo” voltou a ser leitura das meninas grafiteiras? Voltei para casa com a curiosidade instalada.
No final da tarde, fui ler os jornais. Na Revista da Folha, dei novamente com Simone de Beauvoir, na coluna de Vange Leonel. Explico. Depois de ler a fala de final de ano do papa Bento 16, ela se sentiu assombrada com a afirmação de que o ser humano está em risco de extinção por usar a noção de gênero. Ou, como diz Vange, “criticou a revolução iniciada com Simone de Beauvoir, que diferenciou gênero feminino (construído socialmente) de sexo feminino (determinado biologicamente).”
“O papa condenou a possibilidade alentadora de cada um se reinventar como homem, como mulher ou qualquer coisa entre os dois extremos.”, conclui Vange.
E toma uma decisão: ao invés de comemorar o ano de 2009 do calendário cristão, ou de 1430 do calendário islâmico, ou 5769 do hebraico, ou 2500 dos budistas, resolveu comemorar o ano 60 de era da libertação, iniciada com a publicação do “Segundo Sexo”, de Simone de Beauvoir. E deseja-nos Feliz 60!
Sim, Feliz 60! As grafiteiras da Vila Nova Cachoeirinha é que estão sabendo.
Era uma vez dois homens cansados que chegaram à beira de um rio numa tarde de verão. Eles faziam uma longa viagem juntos e pararam ali para descansar. Pouco depois o mais jovem adormeceu, enquanto o outro ficou observando sua boca aberta. Vocês acreditariam se eu dissesse que uma pequena criatura, que segundo todas as aparências era uma linda borboleta, saiu voando de dentro de seus lábios?A borboleta voou direto para uma pequena ilha no meio do rio, onde posou numa flor e sugou seu néctar. Então ela passou a dar voltas em torno daquele recanto, que deveria parecer enorme para um inseto daquele tamanho, como que se deliciando com o Sol e a suave brisa. Logo encontrou outra borboleta, e juntas dançaram no ar como um casal de namorados.A primeira borboleta pousou outra vez em um galho que balançava levemente. Depois de um momento ou dois, reuniu-se a uma nuvem de insetos grandes e pequenos, dos mais variados tipos, que fervilhavam em torno da carcaça de um animal que jazia na grama verdejante. Vários minutos se passaram.Distraidamente, o homem acordado jogou uma pedrinha na água, bem perto da ilha. As ondas que formaram respingaram na borboleta, que de início quase naufragou, mas depois, com dificuldade, sacudiu os respingos das asas e recomeçou a voar rapidamente na direção da boca do homem que dormia.Mas nesse momento o outro viajante pegou uma folha grande e segurou na frente do rosto do companheiro para ver o que a borboleta faria. A pequena criatura investiu contra este obstáculo repetidas vezes, como que em pânico, enquanto o homem adormecido começava a contorcer-se e a gemer.O homem que atormentava a borboleta retirou a folha e ela voou, rápida como uma flecha, para dentro da boca aberta. Nem bem tinha entrado e o homem estremeceu e despertou.
Então, ele disse para o amigo: - acabo de ter uma experiência muito desagradável, um terrível pesadelo. Sonhei que estava morando num castelo seguro e agradável, mas fiquei inquieto e resolvi explorar o mundo lá fora.No meu sonho, viajei por meios mágicos para um país distante, onde tudo era alegria e prazer. Por exemplo, eu bebi o quanto quis de uma taça de ambrosia. Conheci uma mulher de beleza incomparável e dancei com ela, vivendo as alegrias de um verão sem fim. Diverti-me com bons companheiros, pessoas de todas as espécies e condições, naturezas, idades e tipos físicos. Houve algumas coisas tristes, mas só serviram para enfatizar os prazeres daquela existência.Essa vida durou muitos anos. De repente, e sem qualquer aviso, aconteceu uma catástrofe: onda enormes invadiram aquela terra. Eu me molhei todo e quase me afoguei. Eu me vi correndo em disparada em direção ao meu castelo, como se tivesse asas. Mas quando eu cheguei ao portão não conseguia entrar. Uma imensa porta verde tinha sido levantada por um gigantesco espírito maligno. Eu me atirei contra essa porta, empurrando-a várias vezes, mas ela não cedeu.De repente, quando sentia que estava para morrer, lembrei-me de uma palavra mágica que servia para dissipar encantamentos. Tão logo a pronunciei o grande portal verde caiu como uma folha ao vento. Pude entrar em casa outra vez e viver em segurança desse dia em diante. Mas eu estava tão assustado que acordei.
Bem, vocês, como devem ter adivinhado, são a borboleta. A ilha é o mundo. As coisas de que vocês gostam, ou não gostam, raramente são o que pensam que são. Mesmo quando chega a sua hora de partir, ou quando você pensa sobre isso, você apenas encontra distorções dos fatos, e é por isso que esta questão não pode ser compreendida de um modo comum. Mas além da borboleta está o homem adormecido. Atrás de ambos está a verdadeira Realidade. Dada a oportunidade correta, a borboleta pôde aprender sobre estas coisas: de onde ela realmente vem, da natureza do homem adormecido e daquilo que há além da borboleta e do homem adormecido.
Quem me vê assim cantando
Não sabe nada de mim
Dentro de mim mora um anjo
Que tem a boca pintada
Que tem as unhas pintadas
Que tem as asas pintadas
Que passa horas à fio
No espelho do toucador
Dentro de mim mora um anjo
Que me sufoca de amor
Dentro de mim mora um anjo
Montado sobre um cavalo
Que ele sangra de espora
Ele é meu lado de dentro
Eu sou seu lado de fora
Quem me vê assim cantando
Não sabe nada de mim